Contos londrinenses:

Leitura e interpretação da obra Escândalos da Província de Edison Máschio, primeiro romance londrinense que retrata a sociedade na década de 50>>> leia aqui

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A RECONSTRUÇÃO LITERÁRIA DE PEQUENA LONDRES

A RECONSTRUÇÃO LITERÁRIA DE PEQUENA LONDRES
Edison Máschio e os Escândalos da Província



Paulo de Tarso Gonçalves
Profº História
detarso10@hotmail.com


Quando o jornalista Edison Máschio produziu seu primeiro romance: Escândalos da Província, nos anos 50, Londrina passava por transformações históricas: urbanização da cidade, construções de obras públicas e elaboração de projetos modernistas ousados. Instalou-se um conjunto de mudanças na paisagem arquitetônica da cidade. Era fato constituído a imagem de um Eldorado, compreendido pelas boas safras do café, o que dava à cidade o status de rica, próspera e dinâmica. De certo modo, esta representação citadina alimentou desejos e ambições de muita gente que decidiu construir, aqui, seu projeto de vida. A contribuição de imigrantes e migrantes desse período foi crucial para a construção de um modelo citadino fincado na idéia de “progresso” e “trabalho”.

Foi esse ambiente de transformações sociais e urbanas, que permitiu a produção da matéria-prima para o romancista Máschio construir suas personagens de ficção. Claro está que a construção das personagens fictícias, foi elaborada artesanalmente e não propositalmente. Somente ao acaso, permite-se relacioná-las ao meio social pelas suas características particulares. Sabemos que a ficção é a vida que não foi, a que gostaríamos que fosse, que não teria sido ou que tornasse a ser, aquela vida sem a qual a que temos nos resultaria sempre truncada. Porque, “diferentemente do animal, que vive sua vida do começo ao fim, nós só vivemos parte da nossa”.(1)

A personagem da ficção tem vida própria, pensa, reflete, age, se emociona, enfim, na narração do romance ela está organizada de modo que parece interpretar fielmente tudo aquilo que pensamos e sentimos de verdade. Mera coincidência com a vida real. As personagens que protagonizaram o enredo do romance, Escândalos da Província, ganharam características peculiares, adquirindo no desenrolar da trama sua própria autonomia, permitindo ao leitor encontrar nelas uma realidade possível.

A realidade possível não significa vivenciar a realidade concreta, não é o propósito das personagens serem reais, tendo em vista que são construções elaboradas de uma experiência particular do romancista. Todas as personagens do romance são fictícias, ou seja, não existiram enquanto humanas. Os nomes, comportamentos, características, estados psicológicos foram inventados por quem narra uma estória. Portanto, “o abismo inevitável entre a realidade concreta de uma existência humana e os desejos que a sustentam e que jamais poderá aplacar, não é apenas a origem da infelicidade, a insatisfação e a rebeldia do homem”.(2) Daí que, a ficção é na sua essência mentir, enganar, criar mundos mais sórdidos ou intensos, diferentes daqueles que nos surpreenderam. Na ficção o mundo da personagem torna-se infinito, a vida aumenta, “um homem é muitos homens, o covarde é valente, o sedentário é nômade e a prostituta é virgem”.(3) Nela acabamos descobrindo a nossa essência, a nossa aparência, o modelo de humano que gostaríamos de ser.

O narrador de Escândalos da Província fala de uma personagem enigmática, o prefeito de Pequena Londres, um tipo de anti-herói comum na época das grandes transformações na cidade. Aos poucos a personagem vai se revelando numa “figura” enfeitiçada pelo ambiente social de seu tempo.

Esta personagem, que é a principal do romance Escândalos da Província, parece identificar uma multiplicidade de comportamentos adotados por indivíduos que faziam uso do cargo público para explorar moralmente a população de pequenas cidades do interior do Brasil afora. Mas, Pequena Londres é uma cidade imaginária, da mesma maneira, que seus habitantes são construções literárias realizadas pelo romancista, que a partir de uma experiência particular de vida estabeleceu um “retrato” fotográfico de uma cidade que devia ganhar um sentido literário, seja através da ironia ou da moral.

Nesse aspecto, é evidente que ao analisarmos a narrativa ficcional e as personagens da ficção entendemos que não se trata de uma reprodução da vida. Os elementos da ficção a contradizem, acrescentam o que na vida nos falta, possibilitando um sentido à experiência frustrante, transformando aquilo que é loucura e delírio em sensatez e segurança. As personagens de Escândalos da Província viveram este dilema. Elas documentaram de alguma maneira a história humana. Todas as suas façanhas, ilusões, traições, infâmias, inconstâncias exprimidas ali, foram inventadas porque os humanos seriam incapazes de vivê-los. Daí que, o narrador as transforma num protesto contra a leviandade da vida real, ele procura a qualquer custo enganá-la, esquivá-la e forjá-la.

Cada fato da vida, ou um fragmento da vida da personagem é amarrado no romance de tal maneira que, nos leva a ter a sensação de que aquela história realmente aconteceu. O narrador nos deixa livre para interpretarmos a realidade de cada personagem que ali aparece disfarçada. “A nossa interpretação dos seres vivos é mais fluida, variando de acordo com o tempo ou as condições da conduta”,(4) o que não ocorre com as personagens da ficção, se a compararmos o que nos é oferecido no romance.

No romance, as personagens não são referência concreta da realidade, elas se potencializam quando o narrador revela suas características e temperamentos, se transformando em figuras convincentes ao leitor, dignas de serem notadas pelas suas ações e inconstância. É o caso da personagem Walkíria Sardanapalo, “uma interessante hipócrita, contagiada desde tenra idade pelas más influências do ambiente social. Tinha uma educação fundida no vaso das misérias morais”(5). Seu desequilibrado relacionamento estabelecido com Sinfrônio, protagonizou todo o enredo, no qual a rede de relações construídas ali revelava um “mar de lama” que atingia a todos, como força magnética que puxava o bem e o mal para o abismo da moralidade social, sem distinção entre classes sociais. >>> continua

Um comentário:

Jorge Ramiro disse...

Eu acho que é uma boa revisão para as pessoas que gostam do teatro e literatura. Eu gosto muito de literatura e por que eu li todas as noites. Mas eu tinha um problema. Meu cachorro comeu os livros. Então eu tive que contratar um adestramento de animais. Agora, ele só come a comida, e não come mais livros. Isso é muito bom.