Contos londrinenses:

Leitura e interpretação da obra Escândalos da Província de Edison Máschio, primeiro romance londrinense que retrata a sociedade na década de 50>>> leia aqui

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A Reconstrução Literária ...

A RECONSTRUÇÃO LITERÁRIA DE PEQUENA LONDRES
Edison Máschio e os Escândalos da Província


É aí que se estabelece a verossimilhança, isto é, coerência interna da obra, sintonizando-nos com o desenrolar da trama, sem precisarmos buscar situações reais e concretas. Ou seja: o que importa não é o grau de semelhança com a realidade, mas com as figuras criadas e como seus entornos são convincentes no interior da narrativa. Desse modo, notamos que: “verossimilhança (...) sempre resulta de um cálculo sobre a possibilidade de real contida pelo texto e sua afirmação depende menos da obra que do juízo exercido pelo destinatário. A obra por si não se descobre verossímil ou não. Este caráter lhe é concedido de acordo com o grau de redundância que contém”.(6)

A maneira pela qual os escândalos da cidade imaginária são apresentados e o elemento moral de cada personagem se constitui em possibilidades do real, que expressam o ponto de vista de uma experiência individual, da subjetividade de um ser. É natural para o ser humano que lê literatura, reconhecer a sua subjetividade em um ser humano fictício. As ações da personagem Walkíria são, sem dúvida, identificadas com uma multiplicidade de ações e, mesmo, desejos de muitas mulheres, em diversos tempos e espaços, sem, necessariamente, ser uma referência real com o que a personagem viveu no romance. Walkíria, enquanto figura criada na imaginação do narrador, não pertence ao mundo dos humanos, uma vez que se configura em personagens que retratam histórias humanas.

O narrador de Escândalos da Província é essencialmente objetivo, se constitui narrador-observador, conta sua história minuciosamente distante dos fatos; ele não participa de nenhuma ação, fica longe dos acontecimentos para ter o privilégio de narrar as emaranhadas situações e apresentar imparcialmente as personagens. Como ocorre com Sinfrônio, uma figura ambígua e indecisa, de pouco caráter. O narrador não tem conhecimento íntimo dessa personagem, protagonista do enredo, ele a apresenta como o anti-herói, característico de uma época, traça um perfil da moral e do sentimento expressado pelas atitudes dele. Ao imaginar uma hipotética cidade, insere paulatinamente as personagens de acordo com as transformações sociais ocorridas no ambiente urbano. Sinfrônio é produto do meio social que viveu, síntese de uma realidade imaginada pelo narrador. Como personagem fictícia é coerente com a situação histórica, da qual viveu intensamente no romance.

A situação histórica revelada por Máschio no romance, estimula sua criação literária no processo de re-elaboração dos episódios históricos apresentados: a ausência de raízes históricas culturais em Pequena Londres; a cidade que surgiu e cresceu com os abalos da corrupção, do forte interesse social de transformar “aventureiros” e “pistoleiros” em pioneiros da cidade.

Os principais episódios históricos como: o assassinato do advogado, o desfile das prostitutas carecas, o jornalista que virou contrabandista, o Juiz de Direito pederasta, que transformou o Fórum da cidade num mercado de prazer – todos esses episódios históricos são reconstituídos literariamente, ganham novas interpretações que enriquecem a historiografia local. Máschio sobrevoou além da imaginação uma cidade fincada em frágeis raízes, dando coerentemente sentido às ações das personagens. São elas, todas fictícias, que dão impulso aos movimentos sociais e aos acontecimentos em Pequena Londres. São elas que criam o panorama histórico da vida ali existente. Isto fica claro quando o próprio narrador abandona o personagem Sinfrônio, quando perde, momentaneamente, o controle sobre a cidade.

A figura Sinfrônio é a chave para entender todas as ações secundárias e também é a chave para conhecer de qualquer maneira a sociedade em todos seus dramas sociais e culturais. Aí reside a expressão significativa da personagem, pois a cidade depende daquilo que ele decide, daquilo que ele pensa, da administração de conflitos pessoais e não necessariamente de ações essencialmente políticas. Aliás, em Pequena Londres ninguém, aparentemente, estava interessado em política, são poucos os que revelaram vocação à carreira. O poder consistia na figura pessoal, naquilo que representava a tradição de mando e desmando numa sociedade em que a lei tinha pouco peso para as personagens. Daí suas ações serem ousadas e temerosas. As personagens acreditavam mais no poder da astúcia, no poder de fogo de cada pistoleiro do que propriamente no poder da justiça. Era, ainda, a tradição mantida em Pequena Londres que reconhecia as personagens por aquilo que desafiaram em suas vidas, e não por aquilo que se apresentavam no presente.

1º Texto >>> A reconstrução

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