Contos londrinenses:

Leitura e interpretação da obra Escândalos da Província de Edison Máschio, primeiro romance londrinense que retrata a sociedade na década de 50>>> leia aqui

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Crônica como História - cont.

A IMPRENSA EM LONDRINA

“Com o surgimento da cidade, despertou o interesse aos jornalistas locais a criação dos primeiros periódicos. E nesse sentido, em 1934, apareceu o primeiro jornal, denominado “PARANÁ NORTE”, editado e redigido pelo seu proprietário H. Puiggari Coutinho, que teve uma vida de oito anos.
Secundou-o a “Gazeta de Londrina” de propriedade de George F. Coutinho, que sob sua direção circulou por alguns anos, sendo o seu primeiro número de 16 de Julho de 1944.
Seguiu-o “Município”, ainda do referido jornalista, com a circulação de cerca de dois anos.
Humberto Puiggari Coutinho, no entanto, foi o decano dos jornalistas de Londrina. Morreu há certa de dois anos com a avançada idade de 92 anos, deixando numerosa e valorosa prole nesta cidade e Mato Grosso.
Natural de Cirica, litoral paulista. Freqüentou a escola de Cadetes em 1893, da Praia Vermelha. Veio para Londrina em 1933, Escreveu “Nas fronteiras de Mato Grosso”, “Londrina e sua história, no jubileu de prata da cidade”Foi vigoroso periodista, bom escritor, dotado de sensibilidade humana.Prestou bons serviços à coletividade, levando vida pobre e honesta.É esse o retrato do nosso primeiro jornalista.
No decorrer desses longos anos existiram muitos outros jornais na cidade, entre os quais: “Folha de Londrina”, diretor Jamil Elias; “O Furo”, diretor Dicesar Plaisant Filho; “Semanário Esportivo”, diretores Abrahão Andery e Dicesar Plaisant; “Correio Paranaense”, diretores Pedro Vergara e Mario Fuganti; “Gazeta do Norte”, diretores Vitor Bosso e Francisco Tuma; “O Combate”, diretor Marinosio Trigueiro Filho; “Folha do Povo”, diretores Osmario Batisaco e Daniel Gonçalves; “A Voz do Campo”, diretor Hilário Correa; “O Reporte”, diretor Renato Melito; “A Voz do Norte”, diretor Floriano Mendes; “Realizações Brasileiras”, revista de Gustavo Branco e F. Mioni.
A grande empresa jornalística, todavia, que iria aparecer foi a “Folha de Londrina”, de João Milanez.No ano de 1947 apareceu aqui em Londrina, a procura de um lugar ao sol, um catarinense que desejava se engajar na corrida do progresso regional – chamado João Milanez.
O apresentado havia chegado em 1947 de Criciúma, Santa Catarina, para tentar uma situação econômica-financeira estável nestas paragens.
Aqui chegando a princípio quis montar uma oficina de portas e batentes, mudando de idéia em seguida, para montar um jornal em sociedade com o sr. Correa neto.
O primeiro volume saiu em 29 de outubro de 1947.Logo em seguida retirou-se Correa Neto, voltando para São Paulo, ingressando em seu lugar Fulgencio Ferreira Neves, Aquiles Pimpão, Abdoral Araújo e Eufrozino Lázaro Santiago, os quais também se retiraram em 1950, ficando sozinho João Milanez.Era um jornal provinciano, com extração semanal.
Um grande marco na história do jornal, no entanto, se deu em 27 de Abril de 1952, quando passou a diário.A princípio, quando a redação estava na Rua Duque de Caxias, esquina da Rua Pará, era o próprio João Milanez que carregava os jornais em grande volume da redação até a sede do jornal sito à Rua Minas Gerais.
De pequeno jornal, passou a ser rodado semanalmente impresso em velhas máquinas, passando anos depois para linotipos e hoje em “off-set”, como dos melhores do Paraná.Atualmente tem prédio próprio na Avenida Rio de Janeiro, constituindo-se numa das melhores empresas jornalísticas do sul do Brasil, circulando pelo Paraná, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e São Paulo. ( 3 )
Reconstituindo a realidade dos fatos históricos da imprensa em Londrina, o narrador auxiliado pela memória e pela imaginação, procura expor a evolução do jornalismo na cidade desde a década de 1930. Narra com poucos detalhes os principais jornais que apareceram e desapareceram com o desenvolvimento da cidade.
Neste contexto é importante registrar que o cronista busca preservar tão somente a memória ( 4 ) dos proprietários dos jornais que mais se identificaram com o caráter pioneiro da cidade, isto é, ficava claro a presença de uma estrutura de grupos econômicos que dominaram a vida cultural visando a conservação da idéia de progresso relacionada à idéia de modernidade da cidade de Londrina. Não é sem razão que o nome do jornalista Edison Máschio não aparece em nenhum momento nesta relação dos pioneiros da imprensa em Londrina, pois havia uma tendência consciente de ocultar ou deslocar ao esquecimento, profissionais da área jornalística que não se identificavam com o pensamento do poder dominante nos meios de comunicação de Pequena Londres.
A atuação impar de Máschio, fiel aos fatos, criou um certo mal estar na sociedade, uma vez que, seu perfil analítico e crítico desagradava a tradição mais conservadora da belle époque londrinense. A leitura e o entendimento que tinha da realidade social, dos cenários de euforia, enriquecimento lícito e ilícito incomodava os “barões do café”. Máschio era contrário aos conceitos políticos e morais que degradavam a imagem da cidade de sua época. Não permitia a distorção da realidade e a omissão dos fatos verdadeiros, levava a sério a profissão que ajudou a difundir, e que seguiu até a sua precoce aposentadoria. Talvez seja essa a razão pela qual não foi compreendido por muitos poderosos que manipulavam as instituições políticas e sociais dos anos 50/60. Foi um escritor com opiniões próprias, embora tivesse semelhanças físicas com o imortal Kafka, e engajava-se na literatura Sartreana, a qual defende o compromisso político dos escritores com o seu tempo. Começou, então, a escrever ficção de boa qualidade. Também não foi compreendido, pois muitos poderosos se identificavam com um ou outro personagem do romance, o que lhe causava aborrecimento na sua vida profissional. Acredito, porém, que a sociedade londrinense atual não pode deixar fora da história de nossa cidade um cidadão tão fiel aos costumes e à origem dessa terra e muito menos esquecer suas duas obras* de ficção, condenadas à morte no passado e desconhecidas no presente.
Na verdade, a questão em jogo era o processo de instalação dos veículos de comunicação: instrumentos de poder da burguesia, meios de difusão da ideologia do progresso (tão caro aos colonizadores), e a luta pelo poder e pelo reconhecimento do status de pioneiro da cidade. Tudo isto era muito estranho a um jovem jornalista, assustado com as conseqüências desse progresso, com o fluxo crescente de emigrantes vindos de vários estados do país, que muitas vezes atraídos por propagandas duvidosas acabavam se aventurando num território que caminhava lentamente à procura de uma identidade, à busca de um povo, de uma cultura, de uma origem. Certamente esta era a preocupação de Máschio, que não se identificava como um aventureiro, tampouco como um pioneiro e buscava se desvincular de uma realidade confusa; de qualquer forma tinha raízes no campo, o que lhe dava um certo status semelhante a um simples narrador camponês. Ainda não havia uma distinção clara entre colonizador e desbravador, pois quase todos os cidadãos eram reconhecidos como aventureiros, ou seja, pioneiros de algum fato histórico.
Foi com o surgimento da imprensa hegemônica( 5 ), que Londrina passou da condição de um pequeno município para um significativo pólo representativo da cultura do Norte do Paraná. Nota-se que naquela época a quantidade e a variedade de jornais era impressionante e surpreendente, pois o número de leitores era bem menor do que exigia o mercado de consumo de informações e cultura, além do fato que, o interesse, o acesso, e o índice de analfabetismo eram fatores que interferiam diretamente no sucesso desse empreendimento. Mas, então quem era os leitores dos jornais londrinenses? Sabemos, pelo espírito maschiniano que era uma parcela extremamente reduzida, pois não havia naquela época uma tradição com sede de cultura, de notícias sobre economia, política, esporte, etc. As pesquisas da época apontavam um interesse pelas reportagens policiais, crimes, relações de infidelidades conjugais, corrupções, dominando quase constantemente os temas de primeiras páginas da imprensa.
Nesse aspecto, o discurso da historiografia londrinense bebeu abundantemente nesta fonte, para subsidiar suas “investigações” sobre o passado como representação da realidade histórica. O resultado é uma história repetitiva e tenebrosa, marcada tão somente por crimes, prostituição e medo. Um Historiador( 6 ) destacou em sua pesquisa acadêmica que: “a Folha de Londrina, com edição diária, consultada de 1952 a 1962, apresentava os fatos de forma sóbria, procurando sempre “dar” a informação, sem “julgamento crítico” dentro de uma pretensa objetividade. Já “O Combate” e a “Gazeta do Norte” caracterizavam-se pela espetaculosidade, dramatização do cotidiano e elaboração de crônicas sobre o mundo considerado marginal”. Daí o fato de considerarmos que já no início dos anos 50 a imprensa local podia ser entendida como instrumento de poder, que produzia os fatos e as imagens de acordo com o interesse da ideologia burguesa vigente.
Daí percebe-se que nos primórdios da história de Londrina já havia uma dualidade discursiva sobre o social e o político. Ambas problematizavam uma divisão clara entre uma ordem burguesa formada por grupos econômicos hegemônicos e uma ordem proletária constituída na sua maioria por indivíduos comuns, trabalhadores braçais, desempregados, vítimas de um processo de exclusão da sonhada riqueza prometida pela propaganda ilusória do lucro fácil e rápido.
Afirma este historiador que havia uma diferença nos discursos dos veículos de comunicação. Uns apresentavam as notícias com mais discrição e outros, detalhavam os fatos: os sensacionalistas . De qualquer forma, estas diferenças de foco distinguiam as notícias sobre a vida “marginal” daquelas sobre a boa sociedade. Quer dizer, a imagem da elite da sociedade era conservada enquanto a do povo ridicularizada.
Por isso a visão que o cronista tinha da história consistia na preservação da “boa sociedade”, da boa imagem da elite que nadava no dinheiro, e era também necessário fazer uma blindagem do “mito do pioneirismo” criando, não raro, ícones heróicos que passavam a ter uma função, uma referência obrigatória no imaginário coletivo da sociedade.
Um exemplo disso é a figura do decano dos jornalistas, o pioneiro Humberto Puiggari Coutinho, falecido com a avançada e gloriosa idade de 92 anos, nas palavras do cronista, “honestamente pobre”. Ora, honestamente é possível que tenha ocorrido, mas pobre seria improvável, pois naquele tempo, para se fazer qualquer investimento era necessário capital, e só tinha recursos àqueles que vinham de famílias com posse. O pobre morria pobre. Mas de qualquer forma precisava-se criar uma imagem ideal de pioneiros, para convencer a sociedade, em geral, de que a história era feita por personagens exemplares, por heróis representativos, por ícones que simbolizavam toda uma saga de bravuras e destemor.
Assim o cronista enumera os “prestadores de serviços à coletividade” (as aspas é dele), o conjunto de proprietários, como coadjuvantes do crescimento da cidade, idealizadores do progresso da região norte do Paraná. Daí a necessidade de primeiro criar o mito fundador e depois difundi-lo até atingir o cérebro e o coração do coletivo social.
Era um sinal evidente de que a modernidade havia definitivamente chegado, pois a preocupação em criar modelos míticos e fechá-los num determinado grupo social correspondia ao desejo e à disposição de travar uma luta pelo domínio e manipulação do processo histórico. Não é sem razão que o cronista dá ênfase à modernização da imprensa a partir do ano de 1947. De um jornal rodado artesanalmente chegou rapidamente a impressão em off-set, o que era um feito histórico, visto o aumento progressivo da população da época, não necessariamente de leitores. Vejamos o que foi constatado por um outro cronista:

“...Em Londrina, da decantada Universidade, a quanto somaa multidão dos que lêem? Irrisória, não? Passo e repasso enão vejo mãos empunhando livros. Nos jardins e praças quefazem os cansados? Nos ônibus que sobem e descem, quemse ocupa com uma leitura proveitosa? Nas escolas e institui-ções, nos clubes e associações, qual o calor da leitura sadia?Qual o resultado – realidade e não camuflagem – das pesquisas em livrarias e bibliotecas...” ( 7 )

Trata-se de uma observação da realidade dos anos 50/60, exatamente no momento em que o maior jornal da região passava a circular diariamente. A cidade já contava com mais de cem mil habitantes, e todos os aspectos da vida social encontravam em ebulição, inclusive uma exuberante arquitetura moderna, combinada com o fervor empresarial, fruto da produção cafeeira.
Não se poderia esperar que o desenvolvimento do “boom” cafeeiro pudesse alavancar num mesmo ritmo frenético, a tradição cultural da leitura, como também não seria possível ainda à formação de comunidades de estudos literários ou quaisquer outras. Embora a imprensa fosse um veículo difusor da cultura e do estímulo ao conhecimento e da informação, poucos indivíduos tinham a clara percepção de que a chegada das novas máquinas para o fabrico e a produção de jornais pudessem mudar as condições intelectuais do corpo social. De qualquer forma estas máquinas significavam um presente da modernidade, transformando um ambiente que valorizava, invariavelmente, o “cheiro” do dinheiro. O próprio cronista lamenta que em Londrina, era possível atravessar de ponta a ponta a cidade, passear pelos jardins e contemplar as perobas do bosque sem ser surpreendido bruscamente por qualquer indivíduo carregando um livro. Raramente se via “sombra” de indivíduo parado em frente a uma banquinha de jornais curioso pelos fatos históricos.
Daí que, não podemos afirmar que a imprensa proporcionou um ritmo alucinante do progresso cultural, uma vez que a leitura não modificava a expressão falada e pouco alterava o “pobre” vocabulário do sertão. Ainda tínhamos o hábito de sobrecarregar na fala um erre caboclo e provinciano, do qual era entendido por aqueles recém-chegados como algo estranho a língua portuguesa. Isto realmente era verdade, pois os viajantes profissionais davam notícias de que eram facilmente reconhecidos em qualquer parte do mundo pela pronúncia pesada dos “erres”. Este retroflexo da língua era uma herança deixada pelos britânicos, conseqüência do domínio e exploração colonial inglesa. Por isso torna-se candente o fato de que o jornal representava apenas mais uma mercadoria destinada exclusivamente ao consumo de uma classe social privilegiada – a burguesia. Mas, mesmo não focando o prazer pela leitura, as páginas de colunas sociais e os classificados de compras e vendas eram os mais lidos. Há notícias de assinantes daquela época, que propunham comprar somente estes dois cadernos do jornal, pois economizariam um bom dinheiro no fim do mês. Prova disso em pleno século XXI, esses dois cadernos, juntamente com os recursos do poder público, continuam sendo indiscutivelmente os campeões de consultas, senão a fonte econômica mais importante do jornal.

2 comentários:

Unknown disse...

alguem sabe alguma coisa sobre a historia da familia plaisant?

Unknown disse...

Puigari coutinho era meu bisavô materno. Era honesto e pobre. Não miserável, mas pobre. Quando morreu, tinha como patrimônio apenas uma casa de madeira na rua Pernambuco. Conforme ele mesmo dizia, nunca soube ganhar dinheiro.